Reforma Tributária brasileira entrou em uma nova fase decisiva em 2025. Com a sanção da Lei Complementar 214/2025 em 16 de janeiro, o país deu um passo histórico rumo à maior transformação do sistema tributário das últimas décadas. Mas o que isso significa na prática para empresários, contadores e gestores financeiros?
Enquanto a implementação completa está prevista para ocorrer entre 2026 e 2033, os preparativos já começaram. A Receita Federal lançou em julho de 2025 a versão Beta da Calculadora de Tributos, e o novo portal da Reforma Tributária do Consumo entrou em fase de testes. Estes são sinais claros de que a mudança não é mais uma promessa distante, mas uma realidade em construção.
O Novo Cenário Tributário: IBS, CBS e Imposto Seletivo
A reforma substitui cinco tributos complexos (ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS) por três novos impostos mais simples e transparentes:
IBS (Imposto sobre Bens e Serviços): Tributo de competência estadual e municipal que unifica ICMS e ISS, eliminando a guerra fiscal entre estados e a complexidade de diferentes legislações.
CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços): Substitui PIS e COFINS com alíquota única, acabando com a cumulatividade que tanto prejudica a competitividade das empresas brasileiras.
Imposto Seletivo: O famoso “imposto do pecado” que incidirá sobre produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas, veículos e apostas.
A grande promessa é a simplificação radical: onde hoje existem centenas de alíquotas diferentes, haverá alíquotas únicas por produto ou serviço, com total transparência para o consumidor final.
Split Payment: A Revolução na Arrecadação Tributária
Uma das inovações mais disruptivas da reforma é o split payment (pagamento segregado), um mecanismo que promete revolucionar a forma como os tributos são arrecadados no Brasil.
No modelo atual, as empresas recolhem os tributos mensalmente através de guias de pagamento. Com o split payment, os valores dos tributos IBS e CBS serão automaticamente separados e enviados diretamente ao governo no momento da liquidação financeira de cada transação.
Como funciona na prática:
Imagine uma venda de R$ 1.000 com 20% de tributos. No sistema tradicional, a empresa recebe os R$ 1.000 e depois precisa calcular e recolher os R$ 200 de tributos. Com o split payment, a empresa recebe apenas R$ 800, enquanto os R$ 200 são automaticamente direcionados aos cofres públicos.
Vantagens do split payment:
- Eliminação da sonegação por omissão de vendas
- Redução drástica da inadimplência tributária
- Simplificação das obrigações acessórias
- Melhoria do fluxo de caixa governamental
Desafios para as empresas:
- Necessidade de adaptação dos sistemas de gestão financeira
- Mudança na gestão do fluxo de caixa
- Adequação dos processos de conciliação bancária
Segundo o gerente de projetos da Receita Federal, Marcos Hübner Flores, o split payment não gerará cobrança efetiva em 2026, quando começam os testes da reforma. A implementação será gradual, permitindo que empresas e instituições financeiras se adaptem ao novo modelo.
Comitê Gestor do IBS: A Nova Governança Tributária
A criação do Comitê Gestor do IBS representa uma mudança fundamental na governança tributária brasileira. Este órgão será responsável por coordenar a arrecadação, estabelecer regras de fiscalização e resolver conflitos entre estados e municípios.
Composição e funcionamento:
O Comitê Gestor será formado por representantes de todos os estados e do Distrito Federal. Em abril de 2025, os estados já indicaram 27 membros, sendo a maioria secretários de Fazenda das respectivas unidades da Federação.
Principais responsabilidades:
- Coordenação da arrecadação do IBS entre estados e municípios
- Estabelecimento de regras uniformes de fiscalização
- Resolução de conflitos de competência tributária
- Definição de procedimentos administrativos padronizados
- Gestão do sistema de repartição de receitas
Impacto na uniformização:
Uma das maiores conquistas esperadas é a uniformização de procedimentos entre IBS e CBS. Hoje, empresas que atuam em múltiplos estados enfrentam 27 legislações diferentes do ICMS. Com o Comitê Gestor, haverá uma única regra nacional, reduzindo drasticamente os custos de compliance.
A indústria brasileira já estuda 19 mudanças no Projeto de Lei do Comitê Gestor, demonstrando o engajamento do setor privado na construção das novas regras. Essa participação ativa é fundamental para garantir que a reforma atenda às necessidades práticas das empresas.
Imposto do Pecado: Tributação Seletiva com Propósito Social
O Imposto Seletivo, popularmente conhecido como “imposto do pecado”, é talvez o aspecto mais polêmico e discutido da reforma. Criado com o objetivo de reduzir o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, este tributo representa uma mudança de paradigma na tributação brasileira.
Produtos sujeitos ao Imposto Seletivo:
- Cigarros e produtos do tabaco
- Bebidas alcoólicas
- Veículos automotores
- Embarcações e aeronaves
- Apostas e jogos
- Produtos ultraprocessados (em discussão)
- Bebidas açucaradas
Características técnicas importantes:
Segundo o artigo 413 da Lei Complementar 214/2025, o Imposto Seletivo não incide sobre operações de energia elétrica e telecomunicações, protegendo serviços essenciais da população.
Uma peculiaridade técnica relevante é que o IBS e a CBS incidem sobre o valor do Imposto Seletivo, criando um efeito cascata controlado. Isso significa que produtos sujeitos ao “imposto do pecado” terão uma carga tributária efetivamente maior, cumprindo o objetivo de desestimular o consumo.
Impactos setoriais:
Para a indústria automobilística, o Imposto Seletivo pode representar um aumento significativo no preço final dos veículos. O setor já estuda estratégias de adaptação, incluindo maior foco em veículos elétricos e híbridos, que podem ter tratamento diferenciado.
No setor de bebidas, a expectativa é de uma reorganização do mercado, com possível crescimento de produtos com menor teor alcoólico e maior investimento em marketing responsável.
Cronograma de implementação:
O Imposto Seletivo será implementado gradualmente a partir de 2027, permitindo que os setores afetados se adaptem às novas regras. As alíquotas específicas ainda estão sendo definidas em regulamentação complementar.